sábado, 14 de maio de 2022

Hipóteses para a hipótese remota de desistência da ligação da linha circular entre a Estrela e o Cais do Sodré

 A demora na emissão pela APA do RECAPE do lote 2 da linha circular (Santos-Cais do Sodré) põe pelo menos a hipótese de que tenham reconhecido que a complexidade da obra exige recursos que num país com graves assimetrias seriam mais bem empregues noutros investimentos públicos, desde a melhoria das acessibilidades das e entre as periferias às interligações ferroviárias interoperáveis com a Europa (o que corresponderia ao estrito cumprimento da legislação, desde a lei 2/2020 ao regulamento comunitário 1315/2013, o que inviabiliza o velho argumento de que temos de gastar este dinheiro senão os fundos perdem-se, velho argumento que os decisores não querem reconhecer como falacioso).

Sem qualquer expetativa de atendimento pelos decisores, mas apenas como exercício, académico no sentido figurado, junto um comentário no seguimento de anterior parecer sobre o prolongamento da linha vermelha para Alcântara Terra, em consulta pública até 2jun2022, contemplando várias hipóteses decorrentes da desistência da ligação Estrela-Cais do Sodré, numa ótica de limitação de danos pela decisão anterior pela linha circular:

 


 

A ligação da linha de Cascais e do terminal de contentores de Alcântara à linha da cintura (eixo norte-sul) está prevista no PRR com base num EIA de 2010.

A CML tem insistido no “enterramento” da linha de Cascais entre Algés e Cais do Sodré.

Trata-se de duas intervenções na linha de Cascais que dificilmente se justificarão num plano de mobilidade da AML dum país com dificuldades financeiras.

Numa perspetiva de área metropolitana, pareceria que a vocação da linha de Cascais é essencialmente metropolitana e deveria integrar a rede de metro, por definição um elemento da mobilidade metropolitana (sem prejuízo da funcionalidade dos suburbanos da CP, vocacionados para percursos totais e interestações maiores). O estado atual da linha de Cascais exige a sua modernização, insistindo-se que deveria ser feita segundo os padrões de metropolitano.

O CSOP chamou a atenção para que a ligação da linha de Cascais à linha de cintura teria a limitação desta já estar sobrecarregada pelos serviços entre as duas margens interurbano, regional e suburbano, e pelos serviços na margem norte de mercadorias e do suburbano de Alcântara Terra (a linha de Cascais iria substituir o ramal de Alcântara Terra na ligação à linha norte-sul da ponte 25 de abril). A quadruplicação entre Roma-Areeiro e Braço de Prata não o resolve (só a quadruplicação entre Alcântara e Sete Rios e a sextuplicação entre Sete Rios e Oriente o resolveria). Relativamente à ligação de mercadorias do terminal de Alcântara à linha de cintura sem interferência com o tráfego rodoviário, refiro que é desejável que tenha uma duração limitada de 3 a 4 décadas (pressupondo a transferência para um novo porto de águas profundas Cova do Vapor-Bugio), pelo que poderia fazer-se em viaduto ao longo das ruas de Cascais e Oliveira Miguéns, impondo sobreelevação do viaduto da linha vermelha do metro. O aproveitamento para novo edificado que se está fazendo em toda a zona de Alcântara só por si anula o argumento de obstrução visual, para além de constituir um sério obstáculo à racionalização do PUA e da mobilidade.

Quanto ao “enterramento” por razões estéticas e de acesso da população à beira rio, trata-se de uma despesa supérflua, da ordem de 8km x 60 milhões = 480 milhões de euros que deveriam ser utilizados para facilitar os acessos e a interligação das regiões periféricas da AML.

O acesso à beira rio pode ser feito com passadiços devidamente dimensionados, como é prática em países mais desafogados financeiramente.

Acresce que do ponto de vista do património industrial é uma ação condenável.

Ainda sobre a ligação da linha de Cascais à de cintura, recorda-se que o principal argumento para justificar o erro da linha circular de metro em construção foi a de que iria facilitar a ligação dos passageiros da linha de Cascais à zona de escritórios da Avenida da República. Agora prevê-se o prolongamento da linha vermelha para Alcântara, o que, através da reposição da ligação mecânica Alcântara Mar- Alcântara Terra, como muito bem referido no EIA, asseguraria o acesso dos passageiros da linha de Cascais à zona de escritórios. Ora, se a ligação da linha de Cascais e o metro em Alcântara asseguram o acesso à Avenida da República, então a lógica mostra que a linha circular entre a Estrela e o Cais do Sodré perde a justificação.

Nos desenhos seguintes mostra-se a situação atual e prevista dispensando a ligação da linha de Cascais à de cintura, com várias hipóteses no pressuposto de desistência da construção do lote 2 da linha circular, entre Cais do Sodré e Santos (inclusive), evitando complexas obras.

1 – Situação atual e prevista (linha circular e prolongamento da linha vermelha para Alcântara Terra)

traço fino a preto - ligação da estação Alvito/IP por funicular a Alcântara Terra e por passadiço com tapete rolante a Alcântara Mar

traço fino interrompido – ligação mercadorias em viaduto

 

 

2 – eliminação da ligação Estrela - Cais do Sodré; prolongamento da linha amarela por Poente da Basílica e norte das Necessidades para Alcântara Terra; prolongamento da linha vermelha para Alcântara Mar em viaduto; estação Infante Santo de correspondência; beneficiação da linha de elétrico (“tramway”) entre Cais do Sodré e Campo de Ourique



traço fino a azul – linha de elétrico (“tramway”)

 

 

3 – eliminação da ligação Estrela - Cais do Sodré; prolongamento da linha amarela por Nascente da Basílica e sul das Necessidades para Alcântara Terra; prolongamento da linha vermelha para Alcântara Mar em viaduto; estação Infante Santo de correspondência; beneficiação da linha de elétrico (“tramway”) entre Cais do Sodré e Campo de Ourique



 


4 – eliminação da ligação Estrela - Cais do Sodré; prolongamento da linha amarela por nascente da Basílica para Alcântara Mar em viaduto; prolongamento da linha vermelha para Alcântara Terra em viaduto; beneficiação da linha de elétrico (“tramway”) entre Cais do Sodré e Campo de Ourique

 


 

 

5 - eliminação da ligação Estrela - Cais do Sodré; prolongamento da linha amarela por nascente da Basílica para rua Fradesso da Silveira em viaduto; prolongamento da linha vermelha para Alcântara Terra em viaduto; beneficiação da linha de elétrico (“tramway”) entre Cais do Sodré e Campo de Ourique

 



6 - eliminação da ligação Estrela - Cais do Sodré – pormenor da passagem do prolongamento da linha amarela a Poente e a nascente da Basílica da Estrela

 



Salvo melhor opinião, em vez de discreto desenvolvimento de estudos de viabilidade em ambiente restrito que depois não são facultados apesar de recomendação da Assembleia Municipal de Lisboa nesse sentido (recomendação 122/04 de novembro de 2020), será mais saudável um debate com a sociedade civil, moderado pelas entidades autárquicas em que previamente aos referidos “estudos” de viabilidade sejam discutidas várias alternativas de traçado, subordinadas à visão integrada da mobilidade da área metropolitana. Sei que é dificil aceitar isto para os decisores que se reclamam de maioria absoluta nas eleições legislativas, mas também Bossuet estava muito seguro das suas certezas de procurador divino ao serviço do seu rei absoluto.


Nota: sobre o nó de Campolide ver    https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/08/se-quiserem-ligar-linha-de-cascais.html

 

 




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